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Análise dos Elementos Persuasivos Observados em Duas Propagandas do Primeiro Comando da Capital.

Maurício Viegas
Presidente do IBRAV

08 MAR/2019

Conforme podemos observar no diagrama a seguir, embora a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) atue principalmente no estado de São Paulo, ela possui ramificações em todos os estados brasileiros, e vem crescendo nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, nas quais promove rebeliões, assaltos, sequestros, assassinatos e tráfico de entorpecentes. Calcula-se que atualmente o PCC tenha cerca de 7 mil membros somente no estado de São Paulo.

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Segundo reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 2013, a principal fonte de financiamento da organização é a venda de drogas (maconha e cocaína), embora outros crimes – como roubos de carga e assaltos a banco – também contribuam para o seu faturamento. Estima-se, nesse sentido, que atualmente o PCC arrecade por ano mais de 120 milhões de reais (aproximadamente 30 milhões de euros).

Embora existam diferentes versões para o surgimento da facção, o PCC torna-se efetivamente conhecido a partir de 1993, ano em que assume o controle de seu primeiro presídio, a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no estado de São Paulo, unidade conhecida por acolher detentos de alta periculosidade.

Note-se que o PCC também pode ser identificado pelos números 15.3.3. Isto se deve ao fato de que, à época de sua criação, a letra "P" correspondia à 15ª letra do alfabeto brasileiro, e a letra "C" ocupava a 3ª posição. Esta designação aparece de forma expressa na maioria de suas propagandas.

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Embora vários de seus principais líderes estejam presos atualmente, a exemplo do criminoso Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, isso não os impede de continuar no comando da facção, tendo em vista as facilidades de contato com o mundo exterior que existem nos presídios estaduais.

Com o propósito de aumentar o isolamento de Marcola e outros membros do PCC, realizou-se recentemente a transferência de 22 integrantes da facção que cumpriam pena na penitenciária estadual de Presidente Venceslau para os presídios federais de segurança máxima de Porto Velho, no estado de Rondônia, e Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte.

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2. Os ataques deflagrados pelo PCC em maio de 2006

Deve-se notar, contudo, que esta não foi a primeira vez em que o governo do estado de São Paulo tentou fazer a transferência de líderes do PCC para presídios federais. Em maio de 2006 houve outra tentativa, a qual foi frustrada por uma intensa onda de ataques coordenada de dentro das unidades prisionais contra integrantes da segurança pública e outros alvos. O cenário de violência resultou na paralisação do estado de São Paulo, e foi amplamente noticiado pela mídia nacional e internacional.

Em um fim de semana aterrorizante, durante os dias 12 e 13 de maio de 2006, sob o comando do PCC, 94 presídios se rebelaram e diversos ônibus foram incendiados por bandidos em várias cidades paulistas, deixando atônita a maior metrópole da América do Sul.

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Em razão do pânico instaurado pela onda de violência, escolas, estabelecimentos comerciais e órgãos públicos fecharam suas portas e interromperam o atendimento à população. Em menos de 10 dias registrou-se um saldo de 564 mortes no estado de São Paulo, conforme cronologia apresentada na tabela a seguir:

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Reportagem veiculada à época cita um acordo velado celebrado entre o governo do Estado de São Paulo e Marcola, líder da facção criminosa, com o objetivo de por fim à onda de violência que se instaurou em São Paulo.

Dentre as condições estabelecidas para por fim aos ataques, teria sido definido que Marcola e os demais líderes do PCC não fossem mais transferidos para presídios federais, os quais possuem regras mais rígidas para os detentos, e continuassem cumprindo suas penas em presídios estaduais.

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As ações violentas deflagradas pelo PCC em maio de 2006 conseguiram coagir o governo do estado de São Paulo a desistir da tentativa de transferência dos líderes do PCC para presídios federais. Essa situação perdurou até fevereiro de 2019, quando uma nova conjuntura política, tanto em âmbito estadual quanto federal, permitiu que esse problema fosse enfrentado novamente.

Neste trabalho analisarei duas propagandas realizadas pelo PCC, respectivamente, em agosto de 2006 e em janeiro de 2014. A primeira consiste em um texto com reivindicações de direitos para os presos, que foi lido em rede nacional na principal emissora de TV aberta do Brasil. A segunda consiste na criação e difusão pelas penitenciárias brasileiras de um “grito de guerra” destinado aos integrantes do Primeiro Comando da Capital.

3. A“carta de reivindicações” do PCC

Apenas três meses após o fim dos ataques de 2006, um outro episódio envolvendo o PCC evidenciaria o esforço da organização criminosa em utilizar a propaganda como arma para a difusão de sua ideologia, colocando em pauta a reivindicação por maiores direitos para a comunidade carcerária.

No dia 12 de agosto de 2006, o jornalista da TV Globo Guilherme Portanova, juntamente com o assistente técnico Alexandre Calado, foram sequestrados por um membro do PCC em uma padaria próxima à sede da emissora, em São Paulo. Alexandre Calado foi liberado horas depois. A condição para a libertação com vida de Guilherme Portanova foi a exibição de uma gravação com exigências dos bandidos para a melhoria do sistema penitenciário.

O vídeo, que foi entregue à emissora por Alexandre Calado e exibido às 0h25 do dia 13 de agosto (domingo), possui pouco mais de 3 minutos de duração (excluindo-se a vinheta e os comentários do repórter César Tralli, que fez a sua apresentação), e contém a seguinte mensagem (sic):

“Como integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC), venho pelo único meio encontrado por nós para transmitir um comunicado para a sociedade e os governantes. A introdução do Regime Disciplinar Diferenciado pela Lei 10.792/2003 no interior da fase de execução penal inverte a lógica da execução penal e, coerente com a perspectiva de eliminação e inabilitação dos setores sociais redundantes, abre aspas, leia-se clientela do sistema penal, fecha aspas. A nova punição disciplinar inaugura novos métodos de custódia e controle da massa carcerária, conferindo à pena de prisão o nítido caráter do castigo cruel. O Regime Disciplinar Diferenciado agride o primado da ressocialização do sentenciado, vigente na consciência mundial, desde o ilusionismo, e pedra angular do sistema penitenciário nacional, inspirado na escola da nova defesa social, a LEP, já em seu primeiro artigo, traça como objetivo do cumprimento da pena a reintegração social do condenado, à qual é indissociável da efetivação da sanção penal. Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena, em que não haja comitância dos dois objetivos legais, o castigo e a reintegração social, com a observância apenas do primeiro, mostra- se ilegal e contrário à Constituição Federal. Queremos um sistema carcerário com condições humanas, não um sistema falido, desumano no qual sofremos inúmeras humilhações e espancamentos. Não estamos pedindo nada a mais do que está dentro da lei. Se nossos governantes, juízes, desembargadores, senadores, deputados e ministros trabalham em cima da lei, que se faça justiça em cima da injustiça, que é o sistema carcerário. Sem assistência médica, sem assistência jurídica, sem trabalho e sem escola, enfim, sem nada. Pedimos aos representantes da lei que se faça um mutirão judicial, pois existem muitos sentenciados com situação processual favorável, dentro do princípio da dignidade humana. O sistema penal brasileiro é na verdade um verdadeiro depósito humano, onde lá se jogam os seres humanos como se fossem animais. O RDD é inconstitucional. O estado democrático de direito tem a obrigação e o dever de dar o mínimo de condições de sobrevivência ao sentenciado. Queremos que a lei seja cumprida na sua totalidade. Não queremos obter nenhuma vantagem. Apenas não queremos e não podemos sermos massacrados e oprimidos. Queremos que as providências sejam tomadas, pois não vamos aceitar e ficarmos de braços cruzados pelo que está acontecendo no sistema carcerário. Deixamos bem claro que nossa luta é com os governantes e policiais, e que não mexam com nossas famílias, que não mexeremos com as de vocês. A luta é nós e vocês.”

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O vídeo é apresentado por um indivíduo encapuzado, que lê um texto contendo um conjunto de reivindicações de direitos para os presos, com diversas críticas em relação ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

Deve-se notar que o indivíduo faz uma péssima leitura, sem respeitar a pontuação, o que acaba por comprometer o entendimento do texto (eu mesmo precisei assistir ao vídeo mais de uma vez para entender o significado de alguns trechos). Evidentemente, o teor do texto não condiz com o nível educacional que o seu leitor aparenta possuir, o que sugere que o texto tenha sido escrito por outra pessoa, ou outras pessoas. De fato, mesmo após assistir ao vídeo diversas vezes, alguns trechos não ficam claros para o espectador.

Feitas essas importantes ressalvas, iniciarei a análise dos elementos persuasivos observados nessa primeira ação de propaganda, sob quatro diferentes perspectivas: espacial, cênica, simbólica e semântica.

3.1 Perspectiva espacial

No que se refere à análise espacial, a câmera foca quase que exclusivamente o leitor, a curta distância e por uma perspectiva frontal, como em um telejornal. Em breves instantes, a câmera desvia para focar em uma inscrição que aparece na parede, atrás do leitor, dando ênfase à palavra PCC, sigla da facção criminosa Primeiro Comando da Capital.

 

Em outro momento, a câmera foca rapidamente no corpo do leitor, sendo possível visualizar que ele estava trajando um colete a prova de balas. Não é possível identificar objetos que façam parte do ambiente, e muito menos o local onde o vídeo foi realizado.

3.2 Perspectiva cênica

Durante todo o vídeo o leitor aparece de pé, com os olhos abaixados, indicando que realiza a leitura de um texto. As suas mãos não aparecem e ele não faz gesto algum (provavelmente segura o papel em que o texto estava escrito). Em razão do uso de um capuz, não é possível identificar nenhuma expressão facial. O leitor permanece praticamente imóvel durante a leitura do texto. Não se observam durante todo o vídeo alterações significativas em seu tom de voz.

3.3 Perspectiva simbólica

Como dito anteriormente, o leitor aparece durante todo o vídeo utilizando um capuz (no intuito de não revelar a sua identidade). Nesse caso, a máscara reflete o desejo de ocultar uma identidade. Deve-se observar, contudo, que criminosos utilizam máscaras para que não sejam reconhecidos nas ruas, mas não quando conversam entre si.

 

Durante os breves instantes em que a câmera foca as inscrições contidas na parede atrás do leitor, é possível ler as palavras “PCC luta pela...”. Embora não seja possível ler todo o conteúdo da inscrição, estas palavras, interpretadas em conjunto com o texto, representam uma atitude de combate à atual situação que os presos enfrentam. Desse modo, o PCC tenta se colocar como uma entidade que age em favor dos presos que se encontram em condições desumanas nos presídios brasileiros.

 

O significado subjacente a essa mensagem é o de uma entidade que atua na proteção e garantia dos direitos da comunidade carcerária.

3.4 Perspectiva semântica

O texto, quase que na sua integralidade, apresenta um significado literal e direto. Afirma, sem citar casos concretos, que os presos se encontram em condições desumanas, e ressalta que o cumprimento da pena deve atender a dois requisitos: o castigo e a ressocialização do preso, de modo que observar apenas o primeiro aspecto seria, portanto, ilegal e contrário à constituição. Em outro ponto do texto, afirma-se expressamente que o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) seria inconstitucional.

No final do texto utiliza-se uma frase de confronto. O leitor declara: “(...) que não mexam com nossas famílias, que não mexeremos com as de vocês. A luta é nós e vocês”.

Nota-se, nesse trecho, além da postura de confronto em relação às forças policiais (“A luta é nós e vocês”), um certo “apelo emocional”, no sentido de que os autores do texto estariam preocupados não apenas com as condições dos presos, mas também com os seus familiares.

Deve-se destacar ainda o fato de que a leitura truncada feita pelo indivíduo que aparece no vídeo, sem respeitar as regras de pontuação, em certa medida cria um elemento de conexão com outros presos (em sua maioria com baixo grau de escolaridade), pois é dessa forma que eles leem. Ou seja, embora o texto contenha palavras mais rebuscadas e eventualmente desconhecidas para a maioria dos detentos, eles podem se identificar com o modo como a carta é lida, pois se fossem eles (outros presos) que estivessem lendo, a leitura também seria feita dessa mesma forma.

4. O grito de guerra do PCC nas penitenciárias

Passo agora à análise dos elementos persuasivos observados na mensagem difundida nas penitenciárias como o grito de guerra do PCC.

Em reportagem publicada em janeiro de 2014, o jornal Gazeta do Povo divulgou vídeo contendo quatro gravações do grito de guerra do PCC em presídios do estado Paraná. Posteriormente, esse mesmo grito de guerra foi registrado também em várias outras unidades prisionais do Brasil.

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O vídeo, que segundo a reportagem foi gravado por agentes prisionais, mostra os presos em formação circular no pátio das penitenciárias, respondendo em uníssono a uma voz de comando emitida por um homem posicionado no centro do círculo, conforme os versos que transcrevo a seguir:

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Diferentemente do texto divulgado anteriormente, em agosto de 2006, com reivindicações para a melhoria das condições de custódia dos presos no sistema carcerário, neste “grito de guerra”, como veremos a seguir, explora-se vários elementos de natureza persuasiva. De fato, ao compararmos o “grito de guerra” com a “carta de reivindicações”, temos a nítida impressão de que, de um modo geral, a propaganda utilizada pelo PCC evoluiu significativamente no que diz respeito ao uso desses elementos.

A análise será feita com base nas mesmas perspectivas citadas anteriormente.

4.1 Perspectiva espacial

Se por um lado a “carta de reivindicações” foi lida em um local desconhecido, no “grito de guerra” as imagens se passam em um ambiente com o qual os detentos possuem bastante familiaridade, o que permite a eles se visualizarem no lugar daquelas pessoas: o pátio de uma instituição penitenciária.

Embora o objeto de análise seja o grito de guerra, e não o vídeo em que o mesmo foi gravado, deve-se notar o fato de que desta vez as imagens não foram registradas frontalmente, mas sim por uma perspectiva superior (as filmagens são feitas de cima para baixo e permitem visualizar mais do que um ou outro preso, mas sim todos eles em conjunto, entoando o grito de guerra).

Outro aspecto importante sob o ponto de vista espacial é que os presos não estão espalhados aleatoriamente pelo pátio da penitenciária. Eles estão organizados em uma formação circular, com apenas um deles (aquele que emite a voz de comando) ocupando a posição central. Veremos a seguir que a formação circular também influenciará na dimensão simbólica da mensagem.

4.2 Perspectiva cênica

Nota-se também um uso muito maior de recursos cênicos e gestuais na execução do grito de guerra, em relação à propaganda anterior.

O indivíduo que ocupa a posição central no círculo levanta o braço direito com o punho cerrado sempre que emite uma voz de comando. Ele não fica parado, pelo contrário, gira e distribui o olhar para todos os presentes, animando os demais presos a entoarem o grito de guerra.

Deve-se observar também a questão da proxêmica, ou seja, a forma como os presos usam o espaço. Em todas as quatro gravações que aparecem no vídeo, eles se mostram bem distribuídos pelo pátio, mantendo uma distância de aproximadamente um braço entre si. Pode-se observar pelas imagens que, se quisessem, poderiam dar as mãos. Estão juntos e voltados uns para os outros. O homem que ocupa a posição central está equidistante de todos os demais.

Diferentemente da leitura da “carta de reivindicações” mostrada no vídeo anterior, no grito de guerra as palavras não são pronunciadas em um tom monótono, sem alteração. Ao contrario, as palavras são pronunciadas com entusiasmo, dando ênfase aos pontos mais importantes de cada verso.

A repetição das frases em coro é outro ponto forte do grito de guerra. Os presos gritam os versos a plenos pulmões, e as palavras ecoam pelas paredes dos presídios, que parecem amplificar ainda mais o seu volume.

Todos os presos, mesmo os que não fazem parte do PCC, ouvem as frases que são entoadas durante o grito de guerra, e sabem que naquele momento os seus membros estão reunidos.

 

Ao terminar o grito de guerra, todos os participantes aplaudem em conjunto, demonstrando felicidade e orgulho por terem entoado em conjunto aquelas palavras, que os identificam e diferenciam dos demais presos, e de outras pessoas que não pertencem à facção.

 

4.3 Perspectiva simbólica

A formação circular está associada aos símbolos de eternidade e perfeição, dentre outros significados. De todas as formas geométricas, o círculo é a única em que todos os pontos do seu contorno (a circunferência) estão à mesma distância do centro. O centro é o primeiro ponto que se marca ao traçar um círculo. E na condição de “ponto invisível”, é revestido dos atributos de transcendência e divindade. E é precisamente desse ponto central que emanam os comandos do grito de guerra do PCC. A realização do grito de guerra em uma formação circular, com a voz de comando emanando desse ponto central, evoca toda carga simbólica associada a essa figura geométrica.

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É de se destacar, também, o simbolismo religioso associado aos versos do grito de guerra. Já na segunda estrofe nota-se em dito popular proveniente da Bíblia Sagrada (Romanos 8:31), o qual agrega um elemento de fé à mensagem, na medida em que coloca os presos ao lado de Deus, de forma que nenhum adversário seria forte o suficiente para sobrepujá-los.

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A repetição em coro dos versos, já comentada anteriormente no contexto da perspectiva cênica, também contribui para potencializar o efeito desta propaganda na dimensão simbólica, uma vez que intensifica o significado subjacente da mensagem, neste caso, o espírito de corpo existente entre os membros do PCC.

4.4 Perspectiva semântica

Sob a perspectiva semântica, deve-se destacar inicialmente o fato de que a mensagem do grito de guerra é muito mais simples do que o texto da “carta de reivindicações” veiculado no vídeo anterior, em agosto de 2006.

Pensando-se em termos de propaganda, ou seja, na elaboração de produtos destinados à disseminação de ideologias, a simplicidade é fator essencial, e está diretamente relacionada ao sucesso das mensagens produzidas.

O texto divulgado na “carta de reivindicações” (primeiro vídeo), além de ser extenso, é composto por palavras rebuscadas, que em grande parte pertencem a um vocabulário jurídico e sociológico, não compartilhado pela maioria dos presos comuns, o que dificulta a sua assimilação para posterior reprodução.

Já o texto que forma o grito de guerra (segundo vídeo), além de simples e curto, é composto por frases de efeito, que causam forte impacto em seus ouvintes, além de que os seus versos são constituídos por rimas e repetições, que facilitam a sua memorização.

Com relação especificamente à repetição em coro dos versos, ou seja, ao uso da figura de linguagem conhecida como anáfora, deve-se destacar que ela confere um ritmo agradável aos textos versificados, além de contribuir para reforçar os principais argumentos da mensagem. De fato, esse é um recurso muito utilizado em situações de influência social, estando presente nas missas católicas e nas canções tradicionais das unidades militares.

A paralinguagem, entendida como o conteúdo emocional associado àquilo que se diz, é outro recurso explorado pelo grito de guerra. Note-se que tanto a voz de comando quanto o coro melódico executado pelos presos que a ela respondem possuem uma entonação específica e crescente, que atinge o seu auge na terceira repetição de cada verso, refletindo, desse modo, a convicção interna dos presos em relação àquilo que está sendo dito publicamente.

5. Conclusão

Inicialmente, devo esclarecer que não vislumbro a possibilidade de que os autores da “carta de reivindicações” acreditassem em uma modificação da legislação brasileira a partir da mera divulgação do seu conteúdo. Sendo assim, acredito que o verdadeiro objetivo de sua divulgação tenha sido fortalecer a ideia de que o PCC atuava em defesa dos direitos dos presos e de seus familiares. Ou seja, tanto a “carta de reivindicações” quanto o “grito de guerra”, como propaganda, destinam-se, essencialmente, ao mesmo público- alvo, qual seja: a comunidade carcerária.

Todavia, considerando-se a pobreza dos elementos persuasivos e a dificuldade para que um preso reproduza na integralidade a mensagem contida na “carta de reivindicações”, avalio que o efeito psicológico obtido com a sua divulgação tenha sido muito limitado em termos de propaganda.

O texto do grito de guerra, por outro lado, é composto por versos simples e curtos, com muitas rimas, repetições e frases de efeito, podendo ser facilmente aprendido, memorizado e reproduzido em outros contextos.

Cabe ressaltar, nesse sentido, que não é raro um indivíduo cumprir pena em diferentes penitenciárias, de diferentes estados, em razão da prática de novos delitos (ou até mesmo em razão do mesmo crime).

Desse modo, caso esse indivíduo já tenha sido apresentado anteriormente ao grito de guerra do PCC, poderá replicá-lo, colaborando ativamente para a sua disseminação (bem como da ideologia a ele associada) em um novo contexto.

Assim, de forma exclusivamente espontânea, através de um grito de guerra, consegue-se que essa ideologia seja propagada em outros presídios, difundindo-a, pouco a pouco, por toda a comunidade carcerária.

O quadro a seguir apresenta, de forma sintética, as principais diferenças observadas no âmbito dos elementos persuasivos ao se confrontar essas duas ações de propaganda do Primeiro Comando da Capital:

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Conclui-se, portanto, em razão da superioridade dos elementos persuasivos utilizados, que o impacto psicológico obtido com a disseminação do “grito de guerra”, em janeiro de 2014, tenha sido muito mais efetivo do que o que foi obtido com a veiculação da “carta de reivindicações”, em agosto de 2006. De fato, é bastante provável que a sua capacidade de influência sobre o comportamento e a conduta dos presos ainda gere efeitos até os dias atuais.

Neste estudo, procurou-se identificar os principais elementos persuasivos contidos em duas diferentes propagandas do Primeiro Comando da Capital. Evidentemente, a partir dos elementos persuasivos identificados, seria necessário elaborar as respectivas contramedidas (contrapropaganda), com o propósito de responder e neutralizar o efeito psicológico dessas ações adversas. Esse assunto, contudo, já seria objeto para um novo artigo.

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