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Análise de Veracidade: diferentes abordagens doutrinárias no âmbito da Inteligência de Segurança Pública.

Maurício Viegas Pinto
Presidente do IBRAV

01 AGO/2018

Muito embora a Doutrina Brasileira de Inteligência - Bases Comuns (2004) não defina a técnica da Análise de Veracidade, bem como nenhuma outra Técnica Operacional de Inteligência, e afirme logo na sua introdução não abranger a "atividade de inteligência  operacional, necessária ao planejamento e à condução de campanhas e operações militares das Forças Armadas, no interesse da defesa nacional", outras doutrinas de Inteligência, no âmbito da segurança pública, o fazem expressamente.

Esse é o caso, por exemplo, da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública - DNISP (2014), a qual descreve a Análise de Veracidade no rol das Técnicas Operacionais de Inteligência de Segurança Pública, do seguinte modo:

Análise de Veracidade (AV) - Utilizada para verificar, por meio de recursos tecnológicos ou metodologia própria, se uma pessoa está falando a verdade sobre fatos e situações.

Outro exemplo que poderíamos citar seria a Doutrina de Inteligência de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro - DISPERJ (2015), a qual também se refere à Análise de Veracidade no âmbito das Técnicas Operacionais de Inteligência (TOI), nos seguintes termos:

Análise de Veracidade é a TOI utilizada para analisar, por meio de recursos tecnológicos, se há veracidade no que uma pessoa esteja falando.

Tomando por referência essas duas doutrinas, teceremos a seguir algumas breves considerações a respeito das diferenças que encontramos na definição da Análise de Veracidade no contexto da Inteligência de Segurança Pública.

Em que pese as definições expostas acima possam até ser tomadas como idênticas por um leigo, aos olhos de um profissional de Inteligência elas revelam significativas diferenças entre si, as quais refletem-se diretamente na compreensão e aplicação da Análise de Veracidade.

Em primeiro lugar, observa-se o fato de que enquanto a DNISP atribui à Análise de Veracidade o objetivo de " verificar (...) se uma pessoa está dizendo a verdade sobre fatos e situações" (grifo do autor), a DISPERJ - por outro lado - opta por utilizar o verbo " analisar (...) se há veracidade no que uma pessoa esteja falando" (grifo do autor). De fato, há uma substancial diferença entre verificar e analisar um determinado fenômeno.

Enquanto o verbo verificar aproxima-se mais da ação de observar, no sentido de constatar se algo (que já era esperado) ocorreu ou deixou de ocorrer, comparando-se o que foi observado com um padrão previamente estabelecido;  analisar - por sua vez - pressupõe a identificação dos fatores que contribuíram para que um determinado fenômeno ocorresse ou deixasse de ocorrer, ou seja, leva em consideração as idiossincrasias de cada pessoa, em diferentes contextos.

Com efeito, os que se dedicam ao estudo das diferentes metodologias de Análise de Veracidade sabem que não há uma "receita de bolo" que possa ser aplicada de forma indistinta a todas as situações. Muito pelo contrário, para a correta aplicação da técnica, é imprescindível que se leve em consideração as características específicas do alvo, bem como do ambiente no qual ele esteja inserido.

Contudo, as diferenças entre ambas as doutrinas não param por aí...

De acordo com o que prevê a DNISP, a Análise de Veracidade tem por objetivo "verificar (...)  se uma pessoa está dizendo a verdade sobre fatos e situações" (grifo do autor). De forma muito mais pragmática, a meu ver, a DISPERJ assinala que esta técnica consiste em "analisar (...)  se há veracidade no que uma pessoa esteja falando" (grifo do autor). De fato, a experiência nos mostra que, na maior parte das vezes, o operador de Inteligência não se encontra em condições de avaliar - de forma absolutamente categórica e irrefutável - se o que uma pessoa diz é ou não verdade; mas sim, com muito mais propriedade, o que ele faz é analisar o grau de veracidade do que foi dito por esta pessoa. Entenda-se, enquanto a verdade diz respeito à perfeita correspondência entre o que foi dito e o que de fato aconteceu (identidade entre a declaração e a realidade declarada); a veracidade, em contrapartida, indica o quanto a declaração aparenta ser verdadeira, associando-se, desta maneira, intimamente à ideia de credibilidade.

Aprofundando-se ainda mais nas diferenças doutrinárias em relação à concepção da Análise de Veracidade, percebe-se que a DNISP, no que diz respeito à execução da técnica, contempla o uso de metodologias não mencionadas pela DISPERJ. Nesse sentido, destaca-se o fato de que enquanto a DISPERJ descreve unicamente a Análise de Veracidade por meio de  recursos tecnológicos (grifo do autor), a DNISP, de forma bem mais abrangente, estabelece que a técnica pode ser executada com recursos tecnológicos ou metodologia própria. Assim, de acordo com a definição da DNISP, além dos recursos tecnológicos (que abrangem o famoso polígrafo e outros equipamentos similares), haveria a possibilidade de que o operador de Inteligência empregasse outras metodologias, tais como a análise do comportamento (verbal e não verbal), apenas para ficar em um único exemplo. De fato, na realidade do trabalho operacional de Inteligência, que se caracteriza acima de tudo pelo sigilo, os recursos tecnológicos talvez sejam aqueles que tenham a menor probabilidade de emprego no contexto da Análise de Veracidade.

Muitos outros comentários poderiam ser feitos sobre as definições apresentadas por ambas as doutrinas, inclusive no que tange à não consideração, tanto por parte da DNISP quanto da DISPERJ, da chamada "mentira não-verbal", aquela que ocorre quando o alvo consegue mentir sem que para isso seja preciso dizer uma única palavra. Contudo, esses comentários já ultrapassariam ao escopo dessas breves considerações.

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